Robô: que bicho é esse?

É bem curioso como o homem criou o computador à sua imagem e semelhança. A começar por sua entidade mais elementar que é o bit, o qual é a unidade básica de armazenamento de informações, capaz de registrar apenas dois valores: 0 ou 1.

A intuição humana a partir dessa lógica binária pode ser encontrada desde abstrações mais primitivas, como claro e escuro, quente e frio, longe e perto, grande e pequeno e forte e fraco, até em abstrações mais elaboradas como dia e noite, verão e inverno, alegria e tristeza e até mesmo céu e inferno.

O pensamento humano é repleto de contradições binárias desde áreas como filosofia (materialismo e idealismo) e sociologia (existencialismo e determinismo), até psicologia (fenomenologia e cognição-comportamental) e política (esquerda e direita).

Em escalas mais complexas, essa abstração binária se encontra no modelo genético de Watson e Crick, em que determinadas moléculas se combinam em pares denominados A-T e C-G, bem como na reprodução da lógica da transmissão dos impulsos elétricos entre células nervosas nos sofisticados modelos matemáticos conhecidos como redes neurais.

Quanto mais a tecnologia avança, mais o homem tenta reproduzir nas máquinas as suas próprias funcionalidades. Até que, em 1920, o escritor tcheco Karel Capek escreveu a peça “Rossumovi Univerzální Roboti”, em que usa a palavra derivada de “robota”, que significa trabalho forçado em tcheco. A partir de então, o termo “robô” se espalhou e foi adotado em quase todos idiomas.

O imaginário em torno dos robôs assumiu grande expressão e na cabeça das pessoas, dando origem a imagens de seres humanoides em diversas situações. Todavia, de uma imagem muito parecida com os próprios humanos, como no caso dos humanoides da peça de Capek em 1920, o aspecto dos robôs se transformou em máquinas mecânicas, com engrenagens e botões. Séries de sucesso da década de 1960, como “Perdidos no Espaço” e “Os Jetsons”, traziam máquinas falantes, que se movimentavam e tinham alguma inteligência.

Na vida real, os robôs ganharam relevância nos processos de automação industrial. Surgiram braços mecânicos, esteiras automáticas, câmeras de precisão e toda uma infinidade de dispositivos eletro-eletrônicos que tornaram as fábricas mais autômatas, aumentando a qualidade e reduzindo os custos. Em 1974 foi criada a Robotics Industries Association e os processos industriais nunca mais foram os mesmos.

Das indústrias, os robôs invadiram os ambientes domésticos. Máquinas autômatas são capazes de aspirar o pó das casas e androides são empregados no ensino de crianças. Na área militar, drones não tripulados bobardeam áreas inimigas e em breve as ruas das cidades serão invadidas por carros que se auto dirigem.

Mesmo com todo esse avanço, entretanto, não é na robótica mecatrônica que se espera a grande revolução que está por vir por conta dos robôs. São os robôs sem partes mecânicas, aqueles que existem apenas no mundo digital, que representam a maior parcela que virá a impactar a civilização da forma como conhecemos hoje.

Os algoritmos estatísticos que permitem fazer projeções futuras existem há vários séculos, mas foi no Século XIX, com Laplace, Gauss e Pearson, entre outros, que passaram a adquirir mais volume e consistência. É curioso imaginar, que nessa mesma época, o pensador dinamarquês Kierkegaard afirmava: “A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente”. Na verdade, Kierkgaard apenas materializou algo que o ser humano sempre soube: aprende-se com o passado, é assim que se adquire experiência.

Foi com exatamente com base nesse princípio que o avanço na capacidade de processamento dos computadores empoderou os já conhecidos algoritmos estatísticos, de forma a permitir que as máquinas pudessem fazer acuradas previsões a partir da análise de bases de dados já existentes.

As máquinas passaram aprender com o passado e prever o futuro. É o chamado “aprendizado de máquina” ou “machine learning”, um dos pilares da Inteligência Artificial. Todavia, afirmar que isso significa que as máquinas já podem pensar é outra questão, uma abstração de polêmica comprovação, mas é razoável afirmar é que o aprendizado de máquina é o cérebro dos robôs.

O aprendizado de máquina está hoje presente no cotidiano das pessoas. Um robô pode identificar um rosto, analisar o conteúdo de textos, traduzir frases para qualquer idioma, traçar rotas de carros, recomendar filmes, dentre inúmeras outras rotinas do dia a dia.

Todas essas coisas seriam impensáveis há poucos, da mesma forma que é difícil imaginar até onde poderão evoluir os robôs no futuro.

Se analisarmos o aspecto dos pixels de uma imagem em baixa resolução, poderíamos até supor que os robôs poderiam capturar uma imagem real com sua câmera e realizar distorções aleatórias em seus pixels, gerando uma imagem com o aspecto de uma pintura impressionista, da mesma forma com que Claude Monet capturou a imagem da ponte japonesa em seus jardins e a imortalizou com suas pinceladas.

O robô poderia gerar centenas ou milhares de padrões aleatórios até que algum fosse reconhecido pelos humanos como arte. Afinal, para cada Claude Monet, quantos outros pintores jamais tiveram seu valor reconhecido e permaneceram no anonimato? Se um artista só chega à consagração quando seu trabalho é reconhecido pelas pessoas, não seria isso um processo semelhante ao aprendizado de máquina? Podemos ir até mais longe, não teria o aprendizado de máquina a mesma base conceitual adotada por Charles Darwin em sua obra sobre a Origem das Espécies?

É difícil imaginar, porém, quantos picotes aleatórios em um bloco de mármore bruto seriam necessários para que um robô pudesse reproduzir a simultânea leveza e robustez de um Moisés de Michelângelo. Quantas palavras e frases aleatórias deveriam ser compostas para gerar uma fina sátira como Dom Casmurro ou uma densidade impenetrável como Em Busca do Tempo Perdido? Quantos tons e melodias aleatórias precisariam ser combinadas para compor uma frondosa Quinta Sinfonia ou uma sutil simplicidade de Clair de Lune?

Isso sem contar nos humanos que transformaram as sociedades. Seria possível robôs inspirarem sociedades por milênios, como Abraão, Buda, Cristo e Maomé? Seria possível que robôs dividissem o mundo sócio-político como fizeram Adam Smith e Karl Marx? Conseguiriam os robôs viajar pelas abstrações de Sócrates, Platão e Aristóteles?

Pessoalmente, acho difícil chegar nesse ponto.

Ainda que improvável, acho menos impossível algo como o desfecho da peça de Karel Capek de 1920, na qual seus robôs são apresentados como “pessoas artificiais”, que pareciam felizes em trabalhar, mas que no final se rebelam e causam a extinção da espécie humana.

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