Ancestrais X, Y e Z

Eu tive a felicidade de conviver com meu bisavô, ele faleceu quando eu tinha 17 anos. Muito centrado, sóbrio, tinha a Contabilidade como profissão. Mas, no seu íntimo, guardava sua verdadeira vocação, que era a poesia. Chiquito, era assim que a família o chamava, escrevia sobre tudo, mas primariamente para seu amor, sua companheira de várias décadas. Ele tinha uma sensibilidade única e se deliciava ouvindo sinfonias e outras peças de música erudita. Mas Chiquito, às vezes, implicava com seu neto (meu pai). Não conseguia entender como o garoto, na época, passava os dias com os ouvidos colados no rádio a válvulas, ouvindo aquela barulheira infernal que o jovem insistia em chamar de música: era Glenn Miller (1904 – 1944) e sua “big band”, tocado no programa Ecos da Broadway, da antiga Rádio Excelsior.

Carl Jung (1875 – 1961) foi um dos discípulos mais famosos de Sigmund Freud (1856 – 1939). Todavia, com 19 anos a menos que seu mentor, também entrou em conflito geracional. Não aceitava certos dogmas de Freud, tal como o conceito do inconsciente. Freud, por sua vez, se recusava a aceitar as teorias místicas de Jung, eram esotéricas demais para ele. O conflito foi ainda temperado pela perseguição aos judeus no início do Século XX, fato que afetou Freud, mas não Jung.

A tensão entre gerações não é um fato novo. Hoje, os jovens sequer sabem quem foi Glenn Miller e, se ouvissem sua música, com certeza iriam se entediar com suas notas suaves. Jamais iriam compreender por que Chiquito chamava essa música de barulho infernal. É pouco provável, também, que conheçam o conflito entre Freud e Jung.

Essa característica está profundamente enraizada na cultura Ocidental, a ponto das referências às diversas gerações como “geração X”, “geração Y”, “geração Z”, etc., terem se tornado quase um padrão. De acordo com essa classificação, quanto mais “Z”, mais esportes praticam, mais possuem celulares com internet e mais acessam redes sociais. Por outro lado, quanto mais “X”, mais jornais leem e mais cigarros fumam. Por essa classificação, diz-se que os jovens que estão no ensino superior atualmente são um misto das gerações Y e Z, enquanto os professores são um misto das gerações X e Y.

Na prática, porém, é impossível estabelecer uma fronteira entre essas gerações e o que assistimos hoje em nada difere do que ocorreu em outras gerações há décadas, talvez séculos.

Não se trata, assim, de compreender o comportamento dos alunos por conta das diferenças de sua geração. O ponto principal não é o que afasta, é o que une. Não importa qual geração seja, há valores que são eternos, como a compreensão, o diálogo e, sobretudo, o amor. O verdadeiro aprendizado só ocorre quando vínculos de afetividade são estabelecidos entre o professor e seus alunos.

Assim, ao invés de pensarmos em X, Y e Z, deveríamos nos inspirar em outras culturas, que tratam de forma diferente as suas gerações. Para muitas culturas indígenas, os ancestrais têm uma importância muito relevante, como é o caso dos “mariwin”, espíritos ancestrais que ajudam as crianças a se tornarem mais ativas e vigorosas. Para os guaranis, são os espíritos ancestrais que os guiam na busca da chamada “terra sem males”, lugar em que as pessoas vivem livres de dor e de sofrimento. Na cultura Yorubá, do Candomblé, as pessoas se referem às gerações como uma palmeira, em que as gerações mais novas são as folhas menores do topo, que jamais se sustentariam sem as gerações mais antigas, que estão simbolizadas pelo tronco. Ainda hoje, na África, durante as refeições, é cultuada a memória daqueles que morreram.

Uma das boas coisas de vivermos em uma sociedade globalizada é ter acesso à informação de outras culturas e aprender novos valores com elas, tal como dar a devida consideração aos nossos ancestrais.

7 respostas para “Ancestrais X, Y e Z”

  1. Acredito que o que realmente une alunos e professores é o afeto.
    Fiquei encantada com o texto.

  2. Seus textos impecáveis e cativantes provam que o DNA do querido Vovô Chiquito atravessou gerações e pousou na sua pena ou teclado! Sou prima do seu pai é através das histórias sobre a Revolução Constitucionalista de 32, muitas vezes contadas pela minha mãe, irmã é muito amiga de sua avó , a sempre lembrada tia Helena, a Dudute como era chamada. Continue publicando temas cheios de verve e grande interesse, especialmente para aqueles a quem foi transmitida parte das histórias que merecem ser recontadas e preservadas.
    Parabéns !

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