Humboldt: 200 anos da universidade de pesquisa

Eram dois irmãos, um se chamava Wilhelm, o outro, Alexander. Eram filhos de um pai austero, major do exército prussiano, da segunda metade do século XVIII.

Alexander, o mais novo, sempre teve espírito aventureiro. Com 20 anos de idade, viajou por várias partes da Europa observando a natureza. Com 30, foi para a América Latina e descreveu inúmeras espécies animais e vegetais. Mesmo a velhice não foi capaz de arrefecer seu espírito aventureiro, aos 60 anos foi à Ásia Central fazer nova viagem exploratória. Morreu em 1859, pouco antes de completar 90 anos. Sua vida deve ter sido fantástica, pesquisou as rochas basálticas da Europa, analisou a composição química do Mediterrâneo, observou a eletricidade das enguias do Atlântico, escalou o pico Chimborazo, nos Andes, e estudou o calendário asteca. Em sua época, Alexander Von Humboldt era tão famoso quanto Napoleão. Suas contribuições à ciência foram tantas que, após sua morte, seus amigos e seguidores criaram uma fundação com seu nome que até hoje apóia cientistas da natureza em todo o mundo.

Mas, neste texto, quero me concentrar mais no seu irmão mais velho, Wilhelm von Humboldt. Foi um linguista alemão, com importantes contribuições à filosofia da linguagem. Todavia, um de seus feitos que mais lhe trouxe notoriedade foi a criação da Universidade de Berlim, em 1810, que surgiu em meio à efervescência libertária na Europa impulsionada pelo Iluminismo. Humboldt presenciou a Revolução Francesa e foi muito influenciado por Goethe, de quem era amigo pessoal, e Schiller, o poeta da liberdade, seu grande mentor.

A visão de universidade de Humboldt, assim, é fruto de sua época e seus pensamentos foram registrados em sua obra intitulada “Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim”, a qual modela, até hoje, inúmeras universidades em todo o mundo.
A Universidade de Berlim surge na esteira do Iluminismo, ecoando os pensamentos de Immanuel Kant que propunha a libertação e a conquista da autonomia a partir das reflexões advindas da aquisição do conhecimento. “Ouse saber”, diria Kant. A leitura que Humboldt faz desse pensamento libertário fica bem claro em seu texto:

“O professor universitário, então, não é mais professor, e o aluno não é mais aprendiz, mas ele mesmo deve pesquisar, sob a orientação do professor, a quem cabe apoiá-lo nessa atividade. A educação universitária conduz o aluno a se apropriar da unidade da ciência, trazendo-a para frente e estimulando, desta forma, suas habilidades criativas.”

A grande inovação que traz a Universidade de Berlim é a incorporação da atividade de pesquisa à prática pedagógica visando o desenvolvimento dos alunos. Antes de Humboldt, as universidades eram locais apenas de difusão do conhecimento, de forma passiva, principalmente com base na preleção dos professores.

Todavia, com o passar dos anos, esse ideal pedagógico da pesquisa se perdeu. A pesquisa passou a ser um fim em si mesmo e não um meio para o processo pedagógico. Na maioria das IES atuais, a pesquisa está dissociada do dia-a-dia da sala de aula e não é raro, em algumas universidades, encontrar docentes que se dedicam apenas à pesquisa e não se envolvem com os alunos de graduação. Há inclusive os que se vangloriam com isso. A Academia passou a valorizar a pesquisa como um ente isolado, superior, e a atividade do magistério passou a ser considerada como algo para os docentes novatos e menos titulados.

Ao deixar a pesquisa somente para a pós-graduação ou para os bolsistas, o processo de ensino-aprendizagem retrocedeu ao período medieval. Ao basear um sistema de ensino na transmissão para os alunos de um conteúdo pronto, pré-processado e sem a possibilidade de discussão, negamos o princípio da autonomia iluminista.

E não é complicado trazer a pesquisa para a sala de aula. Basta estimular os alunos a estudar diferentes fontes e realizar debates a partir dessas leituras. Basta propor aos alunos a elaboração de projetos que necessitem de uma pesquisa como base teórica para sua realização. Esses são somente dois exemplos, há várias outras formas. A boa notícia é que os alunos gostam disso, fogem das entediantes e longas aulas expositivas. É claro, há os que se queixam do trabalho extraclasse que esse tipo de atividade demanda, afinal a maioria trabalha. Mas, com o tempo, eles compreendem sua importância e agradecem com entusiasmo as iniciativas nesse sentido.

Este ano se completam exatos 200 anos da fundação da Universidade de Berlim. Que tal comemorarmos esse fato, incorporando as atividades de pesquisa na prática pedagógica do dia-a-dia?

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