Em sua obra mais famosa obra, a “Pedagogia do Oprimido” de 1968, Paulo Freire apresenta um de seus principais conceitos. Para ele, a função da educação não é formar para o mercado de trabalho, é formar cidadãos críticos, capazes de se conscientizar da opressão burguesa sobre as classes trabalhadoras e, com isso, se tornarem lideranças libertárias.
Há, evidentemente, os que não concordam com essa visão e acham que as escolas devem formar pessoas críticas, mas aptas para o mercado e não necessariamente engajadas em romper com as estruturas sociais vigentes.
Bem, independente de quem tem razão, Paulo Freire estava certo ao afirmar que “educação é um ato político”. Ou seja, não dá para ser imparcial e a escola precisa dizer de que lado está. Até hoje, muitas instituições usam a expressão “Projeto Político Pedagógico” para identificar o seu documento mestre, estando a palavra “Político” ligada a esse conceito de Paulo Freire.
Dentro desse contexto, viajando recentemente pelo Peru, pude presenciar um episódio bastante emblemático. Quando os espanhóis chegaram no Peru, no início do Século XVI, encontraram um vasto império, que se estendia da Colômbia ao Chile. Chamado de “Tahuantinsuyo”, que significa em quéchua, a “Terra das Quatro Regiões”, estava o Império Inca dividido em quatro províncias e, no centro delas, sua capital Cusco, que significa “o umbigo do mundo”.
Com uma população de quase 20 milhões de habitantes, o Império Inca era um prodígio em termos de arquitetura e de agricultura. Um de seus líderes mais importantes, o imperador Pachacuti (1400-1471), construiu obras impressionantes, dentre elas a majestosa cidade de Machu Picchu, além de outras maravilhas, como o santuário de Sacsayhuaman e os terraços de Písac. Os laboratórios agrícolas dos incas, em que era estudada a capacidade adaptativa de espécies vegetais a diferentes microclimas, até hoje instigam os antropólogos. As suas construções, com drenagens impecáveis e encaixes perfeitos de pedras de dezenas de toneladas, chegam a levar alguns a acreditar em ajuda extraterrestre.
Mas os incas não eram bons com armas. Suas flechas ainda estavam no período neolítico e desconheciam o ferro. A batalha de Cajamarca, em 1532, em que 200 espanhóis liderados por Francisco Pizarro derrotaram 80 mil soldados incas, foi o mais insólito episódio da chamada “Conquista Espanhola”. Os incas nunca tinham visto uma espada e os espanhóis os cortavam como manteiga. Os cavalos e as armas de fogo completaram a carnificina, que deixou o saldo de quase 7 mil incas mortos e o imperador Atahualpa capturado.
A má notícia, porém, ainda estava por vir. Vivendo isolados do resto do planeta, os incas não tinham anticorpos contra doenças para as quais os europeus haviam desenvolvido resistência ao longo dos séculos. O grande massacre veio por conta da varíola, do sarampo, da catapora, da caxumba, da tuberculose, entre outras. Em poucos anos, quase toda população inca foi dizimada. Suas cidades foram saqueadas, seus templos foram destruídos e sua cultura quase desapareceu.
Mas o inca sobreviveu. Ele ainda está na lá, nas ruas das cidades do Peru e da Bolívia. Muitos continuam falando quéchua e seguem acreditando em seus deuses. Movimentos de restauração da cultura e dos valores incas já se tornam fortes e a história começa a ser contada de uma forma diferente.
Foi isso que ouvi, no sítio arqueológico de Chinchero, de um professor conduzindo um grupo de crianças em uma excursão de uma escola local. A julgar pela fisionomia, tanto do professor, quanto dos alunos, eram todos de origem inca, estavam no seu território. Dizia o professor: “Levaram nossas riquezas, escravizaram nossos homens, estupraram nossas mulheres e queimaram nossas casas. Não foi uma conquista, foi uma invasão.”
Alguém ainda duvida, assim, que educação não seja um ato político?
a história se repetiu inúmeras vezes em todas as “conquistas” ocorridas ao longo dos séculos
ótima interpretação dos fatos, ótimo texto e melhor ainda sua incrivel capacidade intelectual
by the way, tive o prazer de conecer pessoalmente esse outro grnde homem – Paulo Freire
bjos e toda minha admiração amigo querido
Puxa, Lili, que bacana! Quando vc o conheceu?
comparo sua sabedoria, querido Maurício, à dos Incas e a de Paulo Freire! Parabéns por mais este relato, me enche de energia num belo início de semana!
Bom trabalho a todos!
O teórico de gabinete, Paulo Freire, escreve com palavras bonitas sobre a educação muito embora nunca tenha pisado numa sala de aula para saber e vivenciar, na prática, as angústias e dificuldades das crianças menos favorecidas e o quão é trabalhoso lidar com esses jovens e adolescentes, muitos com famílias esfaceladas pelo tráfico, prostituição e drogas da pior espécie. Eliana, a história nunca, em nenhum momento, se repete. Boa análise do nosso amigo sobre a cultura Inca.
A certeza da sobrevivência do povo inca se constata em cada lugar ou no “encaixe das pedras”, na preservação de sua história, na resistência do nativo em falar quéchua e na crença em seus deuses, excelente texto professor!