O exemplo do Marechal

A educação é feita por exemplos. Os alunos aprendem mais quando admiram o exemplo de vida de seus professores. A experiência de mercado sempre gera respeito nos alunos, eles gostam de ter aula com quem vive ou viveu na prática aquilo que está ensinando. Mas o exemplo não se dá apenas na parte técnica. A lisura e a conduta ética é algo que os alunos rapidamente conseguem identificar e sabem dar o devido valor. Mesmo os professores mais exigentes, com avaliações rigorosas e rígida disciplina, quando justos, são admirados pelos alunos. Gandhi dizia: “é preciso ser exemplo da causa que se advoga”.

A história possui inúmeros casos de pessoas que se tornaram exemplos de conduta e, nem por isso, deixaram de ser rigorosos, como é o caso de Cândido Mariano da Silva Rondon, conhecido entre nós como o “Marechal Rondon”. Nascido em 1865, no interior do Mato Grosso, numa época em que a “civilização” ainda beirava aquela região, Rondon descende pelo lato materno de índios bororo e terena. Ficou órfão cedo e passou fome. Com 16 anos, alistou-se no 3o. Regimento de Artilharia a Cavalo no Rio de Janeiro, para ele uma forma de assegurar refeições constantes e alguma educação.


O Marechal Cândido Rondon em 1930

 

Rondon tinha 27 anos de idade quando foi designado para construir linhas telegráficas que ligassem o Mato Grosso ao resto do País. Durante décadas se embrenhou pelas selvas brasileiras, construindo linhas telegráficas e estradas, entrando em contato com os bororos, nhambiquaras, urupás, jarus, karipunas, ariquemes, pacaás, macuporés, guarayas, macurapes, entre outros. Nunca permitiu que seus homens atirassem contra os índios, mesmo quando atacados. Seu lema era “morrer se for preciso”. Chegou a ser flechado em 1913 pelos nhambiquaras e, ainda assim, não permitiu que seus homens reagissem.

Em 1914, aos 49 anos, Rondon participou de uma insólita missão com o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt, explorando um desconhecido rio da Bacia Amazônica, episódio descrito no emocionante livro Rio da Dúvida, de Candice Millard (Cia. das Letras), vale a pena ler. Nessa missão, após semanas de toda sorte de privações e adversidades, a expedição chegou à casa de um seringueiro, abastecida com comida e mantimentos. Ainda que famintos, Rondon não permitiu que ninguém tocasse em nada, pois essa comida não era deles e o seringueiro não estava lá para autorizar. Mesmos revoltados, todos se resignaram e obedeceram o franzino coronel (tornou-se marechal anos depois, em 1955).


Da esquerda para a direita (sentados): Father Zahm, Rondon, Kermit, Cherrie, Miller, quatro brasileiros, Roosevelt, Fiala. Foto tirada em 1914 durante a Expedição Científica Rondon-Roosevelt.

 

Morreu em 1958, pouco antes de completar 93 anos, sem jamais ter negociado um fio de suas convicções. Hoje, talvez seja um dos nomes mais homenageados no Brasil, batizando praças, ruas, bairros, escolas, rodovias, aeroportos, cidades e até um estado (Rondônia). Seu busto estampou a cédula de mil cruzeiros e chegou a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em 1957. Foi o criador do Serviço de Proteção ao Índio, que depois seria a base da FUNAI. Inspirou gerações de indigenistas e sertanistas como Darcy Ribeiro e os irmãos Villasboas.

Rondon nos deixa, assim, inúmeras lições e exemplos. Mostra-nos que nada substituiu a dedicação às nossas verdades e que sempre é possível encontrar uma forma de conciliá-las com as adversidades do dia-a-dia. Diria Rondon: “sendo incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor”.

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