Ensinar, antes de tudo, é despertar a curiosidade nos alunos e ajudá-los a saciá-la. Christopher Emdin, professor da Universidade de Colúmbia, EUA, mostra como professores podem (e devem) trazer a magia para a sala de aula, iluminando a curiosidade dos estudantes (https://goo.gl/SNHUVI). Mas não são apenas os professores, é claro. Muito antes deles, cabe aos pais essa missão. Crianças são naturalmente curiosas, de tal forma que aos pais basta apenas dar um empurrãozinho. Pesquisadores da Universidade Estadual da Califórnia, demonstraram, em um fabuloso estudo longitudinal que durou 28 anos, a importância dos pais contarem histórias para seus filhos, no desenvolvimento de suas capacidades cognitivas na fase adulta (https://goo.gl/XuOA20).
E foi exatamente o que fez Ernesto Schliemann, um pastor luterano, que viveu na Alemanha no Século XIX. Pai de nove filhos, sempre passava as noites contando histórias aos seus filhos antes de dormir. Gostava de falar sobre a antiguidade e encantava seus filhos com as aventuras dos heróis gregos, como Aquiles e Ulisses. Um de seus filhos, Henrique (Heinrich), ficava maravilhado com essas histórias. Em sua imaginação, via Aquiles lutando com seus inimigos, em cenas permeadas por deuses e semideuses.
Essa imaginação foi ainda mais aguçada quando Henrique completou 7 anos e ganhou de seu pai, no dia do Natal, o livro “A História Ilustrada do Mundo”, de Ludwig Jerrer. Pessoas da minha geração, para a qual não existia a internet na infância, sabem da importância que tinham essas publicações, tal como a Enciclopédia Barsa, a Delta Larousse e o Conhecer. Mesmo antes de minha geração, a “História do Mundo para Crianças”, de Monteiro Lobato, obra publicada em 1933, já era uma fonte inesgotável de aventuras pela história. Pois bem, Henrique passava horas viajando nas páginas do livro dado por seu pai, imaginando as intermináveis aventuras da antiguidade.
Os anos se passaram, Henrique cresceu e se mostrou um trabalhador dedicado. Ainda na infância, foi auxiliar de padeiro e com 22 anos passou a trabalhar em um firma de importação e exportação na Rússia. Henrique tinha uma enorme facilidade em aprender idiomas e bem cedo já falava, além do alemão, inglês, francês, espanhol, grego, russo, latim, árabe e turco. Viajou para diversos países e, aos 29 anos, foi para os EUA, onde abriu um banco, fazendo fortuna. Logo depois, voltou para a Rússia e aumentou sua fortuna em contratos militares durante a Guerra da Criméia.
Aos 40 anos, Henrique já era milionário e se aposentou para se dedicar a um novo projeto: descobrir a cidade de Tróia. Aquilo nunca tinha saído de sua cabeça, as histórias dos heróis gregos de sua infância sempre estiveram presentes. Assim, mesmo sem ter formação e experiência em arqueologia, mudou-se para Atenas e de lá foi para a Turquia, onde empenhou boa parte de sua fortuna para escavar no local onde se acreditava ter existido a cidade de Tróia. Antes disso, Tróia era apenas uma citação nos livros de Homero e não havia evidências reais de sua existência. Iniciou suas escavações em 1871, na região de Hisarlik, na península da Anatólia, e não demorou muito a encontrar as primeiras evidências da existência de Tróia. Em 1874 publicou um artigo chamado “Antiguidades Troianas”, contendo o que veio a ser chamado de “Tesouro de Priam”, fabulosa coleção de joias e adornos da antiguidade troiana, hoje exposto no Museu Pushkin, em Moscou.
Henrique passou quase 20 anos explorando a região, não só de Tróia, mas de toda Grécia Antiga, e fez importantes descobertas, como a “Máscara de Agamenon“, uma incrível peça de ouro descoberta por ele em 1876 em Micenas e que hoje compõe o acervo do Museu Arqueológico Nacional de Atenas.
Foi forçado, porém, a voltar para a Alemanha para tratar de uma infecção auditiva que há tempos o afligia. Mas Henrique não se conformava em ficar na Alemanha, sua alma continuava na Grécia e, após leve melhora, empreendeu viagem de volta para Atenas. Estava, porém, muito debilitado e acabou por falecer no caminho, em um quarto de hotel na Itália. Tinha 68 anos e morreu no Natal de 1890, exatamente no mesmo dia em que, 61 anos antes, recebera de seu pai o atlas da história do mundo.
Hoje, o corpo de Henrique se encontra sepultado no Primeiro Cemitério de Atenas e sua residência hospeda o Museu Numismático de Atenas, um dos principais museus da cidade e uma das mais representativas coleções de moedas antigas do mundo. Sua história ilustra um dos exemplos mais significativos do poder que possuem, pais e professores, ao estimular a curiosidade de seus filhos e alunos.
Simplesmente fantástico, como sempre.
Sou seu fã!
Parabéns e que continue brindando os amantes de bons textos.
Saudações,
José Hamilton Sampaio
Parabéns por mais este texto, Maurício.
Todos os que você produziu neste blog alimentaram a minha curiosidade.
Só para constar, quando eu tinha 9 anos, ganhei de presente da minha mãe o História do Mundo para Crianças. Esta numa estante na casa dos meus pais. Eu também o guardo na memória e no coração.
Abraços