Cenas novas de uma história antiga

Aqueles que não conhecem o passado estão condenados a repeti-lo
George Santayana (1863-1952

A polarização é uma questão muito antiga, não creio que as redes sociais tenham exarcebado esses conflitos. A humanidade já passou por polarizações bem piores, muito antes das redes sociais.

Começa com os primeiros momentos de nossa espécie, que aprendeu a abstrair de forma binária pela observação da natureza: noite/dia, frio/calor, Sol/Lua, inverno/verão, alto/baixo, gordo/magro, forte/fraco, longe/perto, feliz/triste etc.

A simetria bilateral das formas das coisas também favoreceu esse pensamento binário. Procure observar uma árvore, uma montanha, uma fruta, um animal, uma pessoa. Se passar uma linha vertical, ficam dois lados muito semelhantes. A própria concepção do DNA, com as chamadas “bases nitrogenadas” dispostas de forma binária (A com T e C com G), remete a uma questão mais profunda, ou seja, a essência da vida é binária.

Não é difícil, assim, compreender por que o ser humano criou o computador a partir do conceito binário do bit (0 e 1). Se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o homem também criou o computador à sua imagem e semelhança.

Muitos conflitos filosóficos antigos são binários. Por exemplo, Platão defendia que o ser humano desenvolve a consciência das coisas a partir da reflexão (Idealismo), mas seu discípulo, Aristóteles, defendia que essa consciência seria obtida pela observação (Materialismo). Kant foi na linha de Platão, mas Kierkgaard puxou inspiração em Aristóteles.

De igual forma, as tensões sociais também historicamente tem se desenrolado a partir de polarizações. Um das primeiras é a chamada Nós x Eles, que serviu para justificar os conflitos entre tribos e, mesmo dentro de uma tribo, conflitos entre classes. Na Grécia Antiga, apenas homens, gregos e livres podiam votar. Em tempos mais recentes, vimos a crueldade dessa lógica na Primeira Guerra, no genocídio dos armênios, na Segunda Guerra, com o holocausto dos judeus, e na década de 90, no massacre de Ruanda. Só para dar alguns exemplos. O conflito “nós vs. eles” está na base do pensamento discriminatório contra negros, mulheres e gays.

A parte final da Idade Média e o início da Idade Moderna (Sécs. XIV a XVII) trouxe outro conflito. Com o Renascimento e a chegada do Iluminismo, se acentuou o conflito Religião x Ciência. O método científico colocou em cheque muitos dogmas religiosos baseados exclusivamente nas escrituras. Cientistas foram perseguidos, torturados e queimados em nome da fé. Quando lamentamos hoje os retrocessos dos fundamentalistas do Taliban, não podemos esquecer que isso aconteceu e continua acontecendo por causa do fundamentalismo cristão.

Então veio a Revolução Francesa, no final do Século XVIII, e surgiu a polarização Estado x Mercado. No plenário da Assembleia, de um lado, jacobinos sentados à esquerda, de outro lado, girondinos sentados à direita. E foi criada a confusão que acabou com muita gente guilhotinada. Os próprios guilhotinadores foram guilhotinados. Cerca de 70 anos depois, Marx escreveu as bases teóricas desse conflito. A Revolução Soviética ilustrou essa polarização com fartos expurgos, confinamentos e fuzilamentos. O mesmo fez Mao Tse Tung, na China, com seus sanguinários massacres sutilmente chamados de Revolução “Cultural”.

Em contraposição à expansão comunista, surgiram na Europa os movimentos nacionalistas, com Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália, Franco na Espanha e Salazar em Portugal. O ponto em comum era uma ameaça “global” que devia ser combatida com uma solução “nacional”. Surgiu outro conflito binário: o Nacionalismo x Globalismo, que regou com muito sangue as páginas de sua história.

Então, o que estamos vendo nos tempos atuais são apenas cenas novas de uma história antiga. Muito triste.